terça-feira, 31 de julho de 2012

Olhos certos

- Queria te perguntar uma coisa.
(Verbos conjugados na segunda pessoa do singular complicam um pouco as circunstâncias)
- O que você quer saber?
(O mistério que se mantém inquebrável é a motivação do questionamento, e por conseguinte, da saudade)
- Talvez a pergunta seja pra mim.
(As incertezas geradas pelo turbilhão barato de sentimentalismo exacerbado carrega sem parar um gatilho de vidro, que uma vez disparado, não pode ser reconstituído)
- Se fosse, você já saberia a resposta.
- Eu sei, na verdade.
- Então por que se questiona? Aliás, por que me direciona uma pergunta sobre a qual é você quem deve tecer a resposta?
- Talvez porque eu queira te envolver. Porque quero que você entre no próximo trem comigo e não olhe mais pra trás. Porque passam pela minha cabeça incontáveis palavras de prefixo "in" que eu poderia encaixar perfeitamente dentro dos nossos contextos e jamais seria suficiente, porque as próprias justificativas que emendo em frases e sigo assim, quebrando argumentos seus - sejam eles meus - estão recheados de palavras que eu prometi não usar mais, como "sempre" e "nunca", porque a loucura me consome a cada minuto de distância e porque essa resposta que procede a pergunta jamais vai se concretizar em virtude desse vício que desenvolvi - e como desenvolvi - de ter você aqui.

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Essa ternura bruta que destrói por excesso inábil de amor

Buscamos avidamente culpar alguém, ou alguma característica inata que seja resistente o suficiente para ser a responsável por nossos passos que seguem zigue zagueando nas pedras do asfalto. Cuidado com elas, moça.
Tanto dentro de tão pouco? Arriscaria a loucura.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Reti-sente

Quando olho pela janela atravessada, cheia de persianas invertidas no meio do caminho, que me separam da imensidão do céu, recheado de flocos cinzentos, que me despejam uma melancolia imensurada, um raio de sol cínico cega minha visão, que fica nublada e cheia de manchas, me fazendo perder a noção do tempo, me fazendo querer ficar ali, entorpecida pela luz forte que naquela persiana invertida, me protege do caos daquela mesma imensidão, me anestesia de uma forma não calculada e traz pra dentro um calor bom, um calor que queima a retina, e a fumaça queimada se confunde com o cigarro, e o cheiro de framboesa sobe com aquele cheiro de roupa limpa, se mistura e me deixa mais tonta, mais perdida e mais acelerada, sabendo que a única coisa que dá pra saber é não saber se tem ou se terá, em alguma janela por aí, aquele ponto final que

terça-feira, 24 de julho de 2012

Outra vez ainda


Simples. O que não é complicado, seja em aparência ou em personalidade, feito de poucas partes, sem ocultar nada (esconder). Ironia que o verbo esconder estivesse entre a definição de uma complexidade transparente, óbvia. As palavras podiam se combinar da forma que fosse, agora o que era claro pra mim é que elas não seriam suficientes. Irremediavelmente, eu acordava todos os dias com a mesma ânsia no peito. Aquela sede de café preto, fresco, e com a garganta seca pelo trago daquele cigarro amassado do bolso. Se existia alguma solução, saída ou qualquer alternativa possível para afastar isso, eu desconhecia. Desconhecia querendo desconhecer. Seja o que for do "um dia" que ainda vai nascer, eu sigo acordando dentro das manhãs sublime, com os olhos bem abertos e com um sorriso.
Talvez o verbo esconder se refira à ele.
Sempre no canto da boca.

Oh, darling.


segunda-feira, 23 de julho de 2012

Aqui dentro

"Dentro de mim guardo sempre teu rosto e sei que por escolha ou fatalidade, não importa, estamos tão enredados que seria impossível recuar para não ir até o fim e o fundo disso que nunca vivi antes e talvez tenha inventado apenas para me distrair nesses dias onde aparentemente nada acontece e tenha inventado quem sabe em ti um brinquedo semelhante ao meu para que não passem tão desertas as manhãs e as tardes buscando motivos para os sustos e as insônias e as inúteis esperas ardentes e loucas invenções noturnas."

Caio Fernando

Quando falta, ainda resta


Havia enlouquecido. Tinha quase certeza disso. Os dias seguiam constantes, sempre com reviravoltas de embrulhar o estômago. Mas tinham aquelas borboletas também, escondidas ali, pertinho do coração e coloridas, trazendo um caos tranquilo àquela consciência remanescente.
- Que alívio!
Suspiros doces, era o que ouvia.
- Se as borboletas ao menos soubessem como preciso delas!
Como as quero por perto, o toque quase no fim.
Asas delicadas, vulneráveis ao vento que sopra do mar.
E traços definidos que dificilmente conseguem ser superados. Sequer esquecidos.
- Deixe-as aí! Não me leve a única alegria, o único escape, a utopia que me cuida quando em nada mais consigo acreditar.
Faça silêncio. É no sussurro que consigo ouvi-las.
Chegue mais perto.
Um pouco mais.
- Amor! É isso! Você conseguiu escutar?
- Não sei, talvez seja o eco de meus próprios pensamentos.
- Não! Você estava certa. É amor.
- E sempre acontece assim?
- Nem sempre, nem quase. Dessa vez, foi a única vez que foi. Assim.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

I restore myself when I'm alone


Era como um teste à prova de bala. Você só sabe se aguenta o tranco quando precisa aguentar. Descobre que o amanhã pode ser sinônimo de renascimento ao invés de repetição, e luta. Remando contra a maré é que se adquire força para respirar. Não se afoga, calma. É necessário paciência.
- Mas eu não tenho isso, essa paciência.
O meu agora é imediatista, e quando preciso de algo não sei controlar a expectativa.
- Não preocupa, menina, a vida ensina.
A vida, sempre ela. Com tortuosos caminhos, insignificantes acontecimentos e um destino fadado ao acaso caótico. Uma simplicidade frágil que ás vezes eu não entendo.
- Pra que entender quando você pode viver?
Aquele desapego que eu tinha que aprender, além daquela paciência que eu precisava ter.
Era tanta necessidade. Tanto coração assombrado por tormenta.
- Eu te disse, aprende. A vida é agora. Todo esse teu medo do amanhã não faz bem. Você já dormiu?
Toda noite eu tinha sonhos intermináveis. Vivia cenas com você, assistia filmes, e acordava com uma carga que ás vezes era ainda maior do que a que precedeu o sono.
- Então acorda do pesadelo. Mas se você precisa dela, é assim que é.
E é mesmo.

Fronteira

Aqui é onde a gente percebe a diferença e sente falta do que é nosso. Uma semana foi tempo suficiente pra me fazer sentir falta daquilo que tinha ficado pra trás, mesmo que por tempo determinado, mas soava diferente na prática. A minha rotina de segundas quentes e fumaças no jardim, a minha terça de acordar antes da hora, o latido da minha cachorra à porta e as suas lambidas desesperadas, o cheiro da maresia e o bater das ondas. Aquelas coisas bobas, pequenas e simples que a gente tá acostumado, e que só sabe a falta que faz quando não encontra elas no dia seguinte. Aqui as pessoas são diferentes. O olhar delas é mais calmo e passivo, as roupas são básicas e todos parecem muito satisfeitos e acomodados. A turbulência da cidade grande e aquele agito constante que faz as pessoas não aguentarem ficar estagnadas em um sinal de trânsito é desconhecida, por aqui. As ruas são largas e não falta espaço, os carros são neutros e o asfalto trepidado. O ritmo do lugar é simpático, e apenas cruzei sorrisos no caminho, com exceção de uma rispidez insegura.
Acho que nem sei quando foi a última vez que fiquei assim, sozinha. Quando digo sozinha, significo ausência de pessoas. E apesar da falta, essa aventura teve um resultado positivo, e fundamental. É engraçado como nós tendemos à uma adaptação circular que começa e termina no mesmo lugar. E ter uma quebra nesse ciclo me fez valorizar tanto algumas coisas, mas principalmente, aquelas pessoas, as principais. Que saudade tenho de algumas, que ausência boa foi a de outras. Analisar em linhas tortas o que faz falta nos submete a exercer uma escala de sentimentos e aprender a separar, a reagir e a apreciar. Apenas o que sinto agora, é aquela vontade desmedida de voltar. Seja pra rotina, pra confusão, pr'aquele ritmo acelerado de vida e pr'aquele cheiro de mar aberto, pr'aquele banco branco onde eu sento todo dia e tomo café, pr'aquele céu azul cheio de esperança e cheio de conhecimento. A sorte que a gente não tem, é só aquela que não se percebe. Perder isso, mesmo que por pouco tempo, mesmo que apenas por uma distância passageira, mesmo que sem perder totalmente, faz você saber o que deve ser perdido, e faz você querer ainda mais aquilo que ficou pra trás. Eu quero, e quero demais. Quero o avião pousado, com a poltrona reclinada e os fones nas alturas e quero terra firme, quero a minha cidade maravilhosa de volta, quero o engarrafamento, quero aqueles problemas, quero calendário cheio, quero esquecer de acordar, quero ouvir a porta bater, quero te ver chegar, quero sair de casa, quero a minha calma de volta.
Eu quero a minha casa. E não importa pr'onde se vá,
O importante é pr'onde se quer voltar.

terça-feira, 17 de julho de 2012

Roteiro

A cama ao lado estava vazia. Aquele espaço cheio de ausência refletia o silêncio que fazia no corredor. A semana começou com o céu entorpecido, cheio de nuvens caregadas que pareciam o lado de dentro. Era tanta coisa que a respiração falhava. Tanto você, tanto eu, tanto o mundo todo. Eram cobranças acumuladas, receios intermináveis, o choro preso na retina e a visão embassada. Como é que faz pra andar assim, com esse peso que persegue, esse medo que não some e essa insatisfação que não cansa. São tantas virtudes misturadas com expectativas afogadas. Tanta fé com muralhas de concreto. Coisa demais. São mensagens omitindo palavras, saudade desamparada, pensamento ilimitado e loucura latente. Como é que faz pra fazer tudo isso desaparecer, calar ou padecer. É tanto pesadelo prum inconsciente só, tantas vontades pra pouco tempo, tanta insegurança pruma criança. É tanto cigarro com café, tanto pêlo arrepiado, tanto vento congelado. Como é que faz pra voltar e viver, acordar e se mover, desprender aquele lençol. Tantas imagens em retrospecto, tanta roupa jogada no chão, tanta luz pra pouco porão. Como é que faz pra ser.