Eu perguntei para ela, qual era o problema. Estava distante da minha compreensão aqueles olhos tristes, aquele movimento lento, aquela falta de objetividade. Ela então se virou, mas sem me culpar por amar outra pessoa respondeu:
- Não consigo expressar, só consigo sentir.
Através da sombra do seu olhar eu entendi que não era de sua vontade falar. Eu podia não entender, mas precisava respeitar. Deixei-a ali, inerte, sendo movida apenas pela força de seus pensamentos, e sentindo não só o ar frio e áspero que inspirava, mas também os arrepios constantes que iam e vinham, mas que nunca deixaram-na em paz.
Era uma dor forte e pesada a que eu sentia. A agonia de fazer algo, de ser útil, de fazê-la abrir os olhos para a vida e de colorir os dias cinzas nos quais ela se afogava cada vez mais.
Há tanta coisa que ela ainda não sabe. Tanto sofrimento que ela não imagina. Mas mesmo se soubesse, não mudaria nada.
Um dia, tentei convencê-la:
- Deus não nos odeia, não é assim.
- Não? Como pode ter certeza?
- Se nos odiasse, não faria nosso coração tão forte.
Nessas horas ela desviava o assunto, guardava a resposta para refletir depois, ou simplesmente guardava no bolso para deixar lá esquecida e não precisar encarar os fatos da verdade, ou do absoluto. Por mais que suas crenças fossem estruturadas de invenções inquebráveis, quando o silêncio falava alto na sua cabeça ela sabia que tinha perdido o argumento.
Então naquele dia, eu fui embora. Certa de que voltaria em poucas horas, dei um passo de cada vez e acendi um cigarro. Andei com calma, como quem sente o impacto do corpo contra o chão. A separação era sempre dolorida, porque era a mesma alma. A mesma pessoa. A gente se encontrava nas esquinas da vida, nas escuras, frias, perdidas tentações de entrega a fragilidade de ser. Ela era eu. Nos momentos de tormenta eu aparecia, por vezes acalentava, por outras enlouquecia. Eu só podia ser o que ela me permitisse. Ela me fez, me criou. E eu nasci com ela. As visitas tinham maior expectativa conforme o tempo ia acabando com ela. Sobrava menos. Eu tinha que ser mais. Mas seria, sempre. Por ela sim. Por mim também. Então eu fui, fui sê-la em outro lugar, fui ficar na estante enquanto ela agora se guia sozinha. Sei que volto, pois afinal,
O inesperado está sempre a espreita.
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