quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Narrador


Acordei e já era tarde. O dia já tinha escurecido e a penumbra das nuvens havia sumido. A casa fazia silêncio, não parecia que nada se mexia. Me estiquei aos poucos, tentando me soltar da preguiça e das horas perdidas no sono.
Embora fosse quase uma da manhã, preparei um café forte, com aquele cheiro que acorda qualquer um. Me sentei no sofá bordado, peguei meu livro e liguei a tv. Passava um filme antigo, em preto e branco. Aqueles clássicos de cinema que só quem está acordado na madrugada de uma uma quinta feira pode conhecer. De fato, eu conhecia. E lembrava que a última cena era a minha favorita. Todos aqueles diálogos extremamente românticos alimentavam jovens inocentes que buscavam a eternidade no amor. Quanta bobagem.
Me voltei ao livro, havia parado no capítulo sete. Era um livro gordo, desses os quais minha mãe tinha pânico só de ver. Sempre se impressionava pela quantidade de páginas. E era justamente o que me deliciava.
Pensava eu, que quanto maior fosse, mais tempo eu levaria mergulhado em um mundo inventado. E conseqüentemente, mais afastado de toda essa loucura que é o mundo real. Mas isso ela não entendia. Aliás, deixou de entender muitas coisas muito cedo.
A tv ligada apenas desdobrava sombras e raios pela sala, enquanto eu estava mesmo era concentrado na história.
Eu tinha a tranqüilidade ao meu redor. Havia me mudado tinha pouco tempo, para uma casa antiga e de um pavimento só, com uma varanda e umas flores plantadas na entrada.
Finalmente consegui minha liberdade. O trabalho era pouco, em um jornal pequeno da cidade. Mas o suficiente para me deixar satisfeito em voltar a pé para casa e ter meu canto, meu conforto e tudo do meu jeito.
É, do meu jeito. Era leonino. Não sei se você sabe coisas de signo, mas leoninos são ótimos camaradas. São sim. Mas estão sempre querendo aparecer também. E não venha dar ordem. Aqui não vai ter espaço para você.
Então, li meu livro por um tempo, ouvi os diálogos bobos do filme e tomei meu café. Quando entrei no capítulo oito resolvi esticar as pernas e respirar um ar mais frio. Peguei o casaco e saí. Deixei a porta semi-aberta, caso Max resolvesse sair também.
Max é meu pastor. Vive comigo há cinco anos. Está mais acostumado com meu ritmo do que eu mesmo, e me conhece muito bem.
Ao ar livre, baforei minha fumaça para fora e vi ela se desenhar entre a umidade do ar. Sempre admirava isso. Com o cigarro aceso, o único som vinha da brasa, queimando.
Pensei em tudo. É assim. Quando você mora sozinho parece que você tem mais tempo para pensar. O silêncio faz presença em todo lugar. E como eram quase duas da manhã, não passava nem carro nem gente pela rua mal iluminada.
Foi então que lembrei dela. Depois de tanto tempo, me perguntei a tradicional pergunta dos amores apaixonados que terminam sem querer terminar.
Por onde será que ela anda?
Foi tudo tão rápido. Ficamos mais de ano juntos, mas não pareceu nem uma primavera inteira. Estávamos separados há mais de ano também. E eu seguia sem notícias. Será que casou? Que se mudou? Que foi morar fora?
Eram perguntas tão redundantes quanto que horas eu iria acordar amanhã. Estava com um péssimo hábito de trocar a noite pelo dia, coisa de morcego, ou de quem nasceu no Japão, já dizia minha mãe.
E ali, na madrugada fria, eu olhava para o Max e me perguntava. Perguntava o que todo mundo se pergunta um dia. Porque.
Nem eu iria descobrir, nem ele. Acho que na verdade, ninguém.
Foi assim porque tinha que ser.
Minha avó dizia sempre isso. E eu me acostumei a ouvir e a aceitar.
Falar sobre o amor ou se questionar era irrelevante. Assim como eu havia aceitado ter me apaixonado por ela, eu tive que aceitar a sua fuga também. Fuga rápida, medrosa.
Quando disse que ela tinha levado embora um pedaço de mim disseram que eu era exagerado. Só quem já se apaixonou sabe do que falo.
Olhei para o Max e pensei se ele algum dia iria ou poderia se apaixonar. Injusto não poder. Acho que o amor é digno de toda criatura.
E sempre me perguntavam porque. Ora, porque do que?
Porque, eu mesmo sem um pedaço no peito, continuava perdido a buscar incessantemente o amor. Porque eu me apaixonava todos os dias por coisas e pessoas novas. Porque eu não me satisfazia com uma paixão passageira, só me alimentava delas.
E eu dizia, porque?
Porque isso,
isso é que amar de verdade.

É não se cansar do amor.

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