segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Terapia de Espelho

Estalo os dedos, com calma. Respirando devagar, tiro o cigarro do bolso, coloco na boca e acendo. Na primeira tragada, penso a respeito do que está prestes a ser dito. A sessão deve começar.
- Durante a semana, percebi que ando completamente vulnerável. Isso me irritou um pouco. Como você sabe, sou uma pessoa que tem sede de controle, e quando ele parece não estar por perto, fico desestabilizada. Não ter controle de mim, significa, em poucas palavras, não ter controle de nada. Me sinto insegura constantemente, com medo. "De que?", você vai perguntar. E a verdade é que ainda não consegui responder isso, nem mesmo pra mim. Todas as noites, quando coloco a cabeça quieta no travesseiro, meus pensamentos desandam e disparam, confabulando inúmeras teorias sobre o "por que" de tal situação em que me encontro. É tanta coisa, separada, ao mesmo tempo. É o trabalho, a família, os traumas de infância, o amor, o relacionamento, o ciúme, os sonhos. Dá vontade de desistir, parar. E o que mais me preocupa, é que não tenho esse histórico. Digo, que me vejo sendo assim, ou melhor, me tornando uma pessoa árida, não faz muito tempo, porque sempre fui uma criança muito saudável e feliz, assim como adolescente também. É bem verdade que esquecemos as dores, fingimos superação, para de tal forma, estarmos preparados para o que tiver que vir em seguida. Mas, se não lembro, não acredito mesmo que meu inconsciente guarde tamanha mágoa sozinho. Sendo assim, consegui concluir o primeiro passo da minha teoria, onde alego e parto da hipótese de que, o tempo me fez assim, e as situações duras da vida - digo aqui sem vitmização, apenas constatando fatos - contribuíram para que eu criasse essa carapaça contra a vida, e acho que foi aqui que comecei a endurecer. "Aqui onde?", você vai retrucar. Aqui, onde comecei a me perder, e por conta disso, não consigo estipular data ou hora precisa pro ocorrido. Mas posso tentar um palpite, e ele fica em torno de uns 3 ou 4 anos atrás. Foi então, que comecei a ter conhecimento do que era sentir preguiça da vida, como um todo, e buscar escapatória de nosso querido e perturbador cotidiano, que tanto me entediava. Ficamos reféns da vida às vezes antes mesmo de percebê-la, e talvez eu fosse apenas uma adolescente rebelde e sem causas justas para tamanha preguiça, talvez. Mas o que eu sentia, dizia ser um pouco maior que isso. O tempo, já ouvi falar tanto dele, sempre age e reage, e graças a isso, vamos levando nosso barquinho, às vezes até mesmo contra a correnteza, remamos. Eu remei. Remo, até hoje. Não quero me entregar e aceitar, ser dura, ranzinza, e usar a carapaça que a vida me deu contra ela mesma. Escudos são bem vindos, pois nos protegem. Mas sem perceber, montamos um exército e uma muralha de pedras secas, empilhadas, e ao invés de escudos temos uma barricada, que nada nos serve de proteção. A barricada me afasta do que mais preciso ter contato, que é a vida, em si. Simples, em sua maior e melhor forma. Tudo, além dela, nos parece amedrontar. Uma bolha que afaste tudo e todos, e nos deixe quietos e calmos, sem maiores problemas ou preocupações. Um ideal recheado de inércia, um nada cheio de ausências. Nos entregamos, aos poucos. E por isso tô aqui. Porque não quero me entregar. E além de não querer, quero sim, derrubar e desconstruir essa barricada que me afasta e me aprisiona em mim mesma. Não quero ter medo de nada ou ninguém, sempre confiei muito em mim. Tenho personalidade forte, e transpareço como água viva, simples e clara. Não quero suar frio, não quero pesadelos, não quero pensamentos desmedidos em forma de lágrimas. Pra isso tudo é preciso controle, auto-controle. Como já dizia Caio, você sabe, "o caminho é in, e não off". Preciso colocar isso em prática todo dia, toda hora. Lembrar a mim mesma que não tenho nada a temer, nem por que. Preciso olhar em volta, agradecer. Ter calma, paciência, reaprender a viver. Encontrar, no fundo, o que se deixou perder. A graça de acordar todo dia, abrir a janela, ouvir uma música e se sentir bem, leve, apenas pelo "ser". Nem sei há quanto tempo isso não me acontece. Por isso resolvi vir aqui. Eu preciso muito desabafar, cuspir, desmontar todo esse quebra cabeça insano que deixei crescer dentro de mim, criando raízes podres que me sufocam todos os dias. Quero voltar a mim e ser eu, pelo simples fato de ser. Sem medo, desconfiança ou qualquer coisa que contemple a insegurança. Eu quero a liberdade. Liberdade de mim.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

'Sentir sede, faz parte. E atormenta.'


A primavera chegou trazendo chuva e reflexões. Nada de flores, céu azul ou jardim enfeitado. É uma primavera que começa sendo arisca e dura, exigindo batalhas diárias e travando lutas pessoais - contra mim mesma, é o que quero dizer.
Ir contra si próprio pode parecer fácil, uma vez que não tem mais ninguém ao seu lado - mas engana-se quem pensa assim - uma batalha contra o espelho pode ser mais difícil do que todo um exército na direção oposta.
Já olhou pela janela? Quantos reflexos você encontra?
Dentro de um, se multiplicam outros, e quando tento me encontrar, esqueço.
A chuva que cai traz piedade. Mas não sinto, penso.
Vida constante que se resume em repetições. Amanhã, outra vez, e depois, novamente.
Qualquer coisa que possa submeter uma repentina quebra de paradigmas, pra
fazer nascer uma novidade, porque nada é suficiente quando se espera flores.
Enquanto parágrafos se repetem, o ontem pausa com vírgulas, mas nunca com ponto final.

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Carta III

Sabe, Léo
Mais uma vez fiquei tanto tempo sem aparecer. Tempo esse que se desfez nas horas, e passou tão rápido como o inverno, que nem frio fez.
No domingo eu fui à igreja, teve batizado. Rezei por você quando tava lá. Te peço o bem, sempre. E sinto saudades ainda.
Por aqui, não tenho muitas novidades. Tenho sonhado com você, ás vezes. É engraçado como mesmo com o tempo correndo com o vento, eu continuo tendo você aqui, mesmo que só durante a noite.
Sabe, Léo
Meus sentimentos têm me surpreendido. Tive uma semana complicada outro dia. Inteira ela aconteceu, e parecia um ano chato que não queria sair do calendário. Fiquei estagnada sem conseguir me entender, e você sabe como eu fico quando não entendo as coisas. Fiquei apática, com medo. Não tinha confiança nenhuma, me sentia solta, sentada em um balanço que ia muito rápido, sem dar tempo de segurar na corrente. A iminência da queda me perseguia. E ainda não sei como consegui descer de lá.
Sabe, Léo
Esses sentimentos que aparecem de repente - me engano ou compreendo - parecem vir do alinhamento das estrelas. Os planetas brincam comigo e em cada fase de Mercúrio eu aprendo um pouco mais de mim. Quando saturno resolve dançar perto de Urano, eu fico assim, perdida na imensidão utópica da ilusão, e demoro pra me desprender da sensação abstrata da vida.
Sabe, Léo
Difíceis são tempos assim. Quando se perde o controle e é preciso manter o curso, correndo. Imagino que você tenha tido esses momentos, também. E por isso, consigo desabafar com você, e só com você. Porque de resto, parece sempre vitimização, e você sabe o que eu acho sobre sofrimentos exacerbados e penalidade própria.
Sabe, Léo
Te escrever me faz bem. Dividir isso tudo com você, mesmo que sem uma resposta física, sempre parece me deixar leve, e tirar um certo peso dos ombros que preciso carregar todas as manhãs. Por enquanto, vou levando. Espero te escrever logo. E vê se aparece, nos sonhos de mais tarde, quem sabe.

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Trans-Parece

Enquanto a chuva caía lá fora, o vidro tentava segurar algumas lágrimas, mas elas escorriam na transparência. Eram dias assim que faziam a vontade de permanecer quieta vir à tona. Não conseguia desvendar exatamente, mas as coisas paradas pareciam mais confortáveis do que qualquer movimentação. Isolamento, descanso, exílio. Qualquer coisa que desse tempo ao tempo, e que deixasse tudo simplesmente acontecer com calma, devagar - talvez do mesmo jeito que a chuva caía lá fora.