quarta-feira, 29 de agosto de 2012

A carta que não mandei

Hoje foi um dia longo. Mas não, as horas não se arrastaram nem foi um dia pesado no trabalho, só que a demora dele foi refletida em cada minuto dela. Em cada respiração e fumaça que saía da minha boca, eu inalava mais dela, absorvia ela e devorava ela como não houvesse amanhã. E há?
Sentia em cada pêlo eriçado o trago do cigarro que ia acabando, anestesiando o piscar dos olhos, lentos. Tudo em 180 graus com netuno - rei das ilusões ali no céu, olhando por mim.
E aí foi assim que aconteceu. Pela primeira vez eu escrevi a carta que não mandei. Fosse covardia ou coragem demais, talvez eu nunca chegasse a uma conclusão propícia pra isso. Mas foi.
Eu escrevi lentas e incontáveis linhas, transbordando palavras, paixão e sabe-se Deus mais o que, tudo dela. E ainda acho que poderia escrever mais. Um livro, talvez. Um bloco de notas inteiro, página por página, falando do seu corpo, do seu jeito, dos seus pensamentos, mistérios, medos.
Que prepotência é essa que ocorre ao ser humano, achando que é de alguém, que tem alguém.
Fosse inútil pensar que era igual às outras, porque não era. Diziam os astros o que quisessem, que mercúrio na casa sete traz essas reviravoltas explosivas e tendências ao fogo, que a lua em vênus na casa doze faz de você um ser completamente apaixonado pelo impossível, que o sol na casa nove em trígono com júpiter potencializa a sua capacidade de amar. Fosse conspiração da Terra alinhada à constelação da Ursa Maior e as estrelas cadentes - tantas as quais pedi por você - caindo e desabando do céu - direto nos sonhos - novamente incontáveis sobre - você sabe.
Ah, meu amor. Deixa disso. A dor não vai matar ninguém. Uma vez visto, a gente não pode tirar o que já foi conhecido. Então cuidado. Não vá longe demais. Eu fui, me perdi, e tô aqui. Tô aqui. Escrevendo cartas que não mandei.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Bruta Flor

Consultório, 19:29.
- Você entende? Hoje não sei mais até quando isso vale. Todo esse sofrimento pelo qual sou culpada de sentir, todo esse controle que me consome diariamente e toda essa - loucura - que já não sei mais se é minha ou se é consagrada. Pr'onde se deve ir quando você começa a questionar a certeza?
- Interessante. Você sabe, isso implica em uma escolha. Sempre há dois lados da moeda...
- Mas e se dois lados não forem mais o suficiente? E se o limite sufocar e eu não quiser mais ser essa - loucura? Uma ciranda eterna, uma gangorra. Designa-me características próprias, foge de mim - fora de mim. Dentro? Afogamento. Falta de ar.
- E aquelas borboletas?
- Parecem cinzas. Foram reduzidas ao acaso e o destino esmagou todas, sem dó. Teria eu que ter dó de mim? Vitimizar as coincidências inseguras que me fazem tropeçar nos amanhãs despertos de dúvidas ou simplesmente ceder e me entregar?
- Se entregue a você.
- A mim estou entregue desde que senti amor pela primeira vez. Não existe sentimento mais caótico e anormal do que esse. Declarações traçadas em seda com o fogo queimando a pele: suicídio consciente!
- Exercite o "não saber".
- Até semana que vem.
- Até.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

E.s.t.a.g.n.a.d.o

Vira a página. Permanecer no mesmo lugar é auto destrutivo, ninguém aguenta essa angústia estagnada - talvez alguém, mas eu não. De tantas coisas malucas que sou e de todo sofrimento pela beleza da vida que carrego, sei me desapegar sempre na hora certa - ou pelo menos na hora em que julgo, certa. Minhas tantas características e diagnósticos me fazem ser uma pessoa de tanta intensidade que não consigo viver o mesmo por muito tempo - e aí vem aquela onda de insatisfação e tédio que toma conta e te deixa um pouco mais (louco).
Tenho crises de personalidade. Digo crise querendo dizer questionamento, conhecimento, descoberta - não crise como brigas ou conflitos. Ora, é um conflito (interno) - todo pra dentro. Porque aprisiono personagens diversos dentro de mim e quero dar asas à todos eles, as vezes ao mesmo tempo.
Tempo - é o que me falta para viver todos os roteiros que existem em mim.
Ando fatigado. Entediado, até. De todo esse cotidiano, que parece mais um reprise de novela, aquelas que passam a tarde, aquelas que já sabemos de cor as falas e as atitudes, aquelas que nos dão os mesmos sentidos fracos e que não surpreendem mais.
Mas de todos os meus diagnósticos, o que mais me preocupa é o que recebi na última semana.
- Você tem problemas em dispersar a realidade da sua própria imaginação.

E você não?

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Metade luz, metade treva


Tudo seu é muita dor, vive. Deixa o tempo resolver, o que tem que acontecer, livre. - Dizia Bethânia. Pelo menos eu encontrava em algumas palavras perdidas, sonoras, um colo necessário pra desprender do sofrimento, ou pelo menos pra ter aquilo que já me via sem - aquela esperança. Inútil chorar. Mas às vezes, era só o que conseguia fazer.
- Você chora muito frequentemente?
Minha terapeuta perguntou, dia desses.
E fui sincera, disse - só quando sinto vontade, e não me ocorre tantas vezes essa necessidade.
Parecia irônico, que depois daquela pergunta, dia desses, me ocorreu diversas vezes, essa necessidade. E chorei. Incontrolavelmente, como uma criança que não vê depois, apenas a dor daquela hora, daquela vida.
Desencana, meu amor. Tudo seu é muita dor.
Ela continuava a soar como soundtrack, insistindo.
Como é que é possível viver assim, Maria, me diz.
Quando o passado é tudo que resta, e a memória é a única fonte de saudade que se preza. O amanhã não tá aí com certeza nenhuma. O dia de hoje toma conta de agora, e depois, o que virá?
É uma angústia inusitada e constante, que amorna o peito e faz da dor um prazer masoquista, reprimido nas lágrimas que não param de correr.
Essa coisa de brincar de viver me consome, desgasta.
Em busca de falsas esperanças - sim, porque no agora não existe mais crença, só dor - a gente brinca, se perde no labirinto de todo dia, se engana e finge que as coisas não acabam, que amanhã o porta-retrato vai estar lá, empoeirado e no mesmo lugar, ao lado do maço vazio, do cinzeiro transbordando e daquele copo pela metade.
Desenflama, meu amor.
E vive.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

De repente


"Porque a dor também perde o sentido. O mundo continua e você também. E o dia ensina em clara sinfonia: Há lutos necessários e despedidas que não podemos adiar. Perder não é sinônimo de desperdício. É caminho aberto para outro estágio, outro cenário, outra véspera de nova fome que alimento algum irá saciar. Afinal de contas, somos incuráveis. Viciados na arte de amar minguantes mesmo que luas inteiras de amor por nós se declarem. Mas há cura para todo mal. Amor acontece. De repente. Demorado. E quase sempre."

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Urgência

O que que a gente faz quando não sabe o que fazer? Quando todas as informações se acumulam dentro de uma bolha frágil, e a qualquer momento existe o risco - de repente.
Aquela marca da pele, aquela mensagem de madrugada, aquele choro que você não viu, aquele sorriso estampado no lábio da outra menina que cruzou comigo na rua ontem - ela parecia feliz - e a minha vontade foi perguntar por que.
- Me diz aqui, entre nós. De onde vêm esse sorriso frouxo que você anda por aí esfregando na cara das pessoas?
Como pode existir tamanha falta de sensibilidade na calçada da minha rua e esse rombo dentro do meu peito, três andares acima daquela outra menina - aquela que estava sorrindo, aquela que parecia feliz.
Que crueldade. A gente culpa o mundo, julgando injustas as coisas que caem sobre as nossas cabeças sem sequer questionar pra onde elas vão nos levar. Ora, é claro. Se fazer de vítima é tão mais fácil, você não acha?
Projetar a nossa falta de expectativa e nosso tédio sem fim em pessoas incapazes de administrar seus próprios sentimentos e de sequer receber o sol na cara, que tá lá, brilhando todo dia.
Querer saber o por quê das coisas só traz mais indignação, criança. Quando você crescer você vai entender.
E digo à eles, que incansavelmente repetiram isso pra mim - não quero!
- Mas você não tem escolha, vai acontecer.
Ora, calma aí. Escolha todos nós temos. E são elas que fazem da vida esse campo de batalhas. Você precisa sempre decidir, opinar, responder, saber. Aquele ponto de interrogação que você aprendeu que enfatiza uma pergunta é a causa disso tudo. Mas isso você já deve saber.
Não sabe?
- Eu finjo que não sei, as vezes.
Tudo bem, no mundo é normal fingir. Mas não finja que eu não disse, não finja que eu não avisei.
- Mas a escolha é minha.
É verdade.
- Mesmo sem saber qual é.