sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Sobre o impacto da ausência

Havia marcado de almoçar com minha amiga hoje, e quando me dei conta já eram onze e meia. Peguei o celular e mandei uma mensagem, pra confirmar nosso encontro. Foi quando recebi uma resposta triste e inesperada. Ela estava no cemitério, velando uma amiga de anos, que não havia resistido à luta contra o câncer. Eu conhecia ela, já tínhamos nos encontrado em aniversários, festas, trocamos palavras, rimos, bebemos; "mais uma? mais uma!".
Ela não era minha amiga, se resumia a uma conhecida simpática. Mas existe alguma barreira quando o assunto é morte?
É claro que não estou aqui medindo sofrimento, ou dizendo que a dor é igual pra todo mundo. Longe disso. Mas não sei, todas as vezes que recebi uma notícia de perda, tivesse a distância que fosse, me perdi um pouquinho também.
O meu primeiro encontro com a morte foi quando eu tinha acabado de fazer dezoito anos. Tá, antes disso eu perdi animais de estimação, perdi a minha avó materna - mas eu era pequena, e ainda não tinha consciência do que era a dor da ausência. Não senti nada, não de verdade, não entendia o por que de estar chorando.
Tinham passado cinco dias do meu aniversário, era setembro, quase primavera. E foi então que eu perdi meu avô. Renato, o nome dele. Ele, prestes a completar oitenta anos, já estava internado com algumas complicações, e a última vez que eu o vi, ainda vivo, ele não me viu de volta. Tenho a cena gravada na memória, como se tivesse acontecido há poucos minutos. Aquela redoma azul claro, aquele cheiro de medo e uma saudade que começava a corroer o peito, e que eu sabia que ficaria ali por muito tempo, crescendo.
Acho que a gente sempre sabe quando vai perder alguém. Aquele alguém de todo dia, que faz parte da gente. Eu sabia. Eu sentia que, logo, ele não estaria mais por perto. E aquele dia chegara.
Em toda aquela cerimônia patética que se faz, onde você fica esperando as pessoas chegarem, lamentarem e falar "sinto muito" da boca pra fora, eu só conseguia sentir raiva. Você vai dizer "claro, normal.. você estava passando por um momento de luto, não estava aceitando a realidade". E pior, que nem foi isso.
Me deixou indignada e inquieta toda aquela gente chegando, conforme o sol ia se recolhendo, e dizendo "sinto muito"; "ele está descansando agora"; "vai ficar tudo bem".
Let me break it to you, nunca fica. Não essa dor, não a ausência. A gente cresce ouvindo que o tempo cura tudo. Mentira, o tempo não é remédio nenhum. O que acontece é que com o tempo, você muda o foco, e a atenção que antes você dava pro problema, se dissipa, mas ele não deixa de existir.
E foi o que eu fiz. É o que todo mundo faz. Você se acostuma a viver com aquele rombo no peito, com aquela insegurança constante, com aquele frio na barriga que faz congelar os olhos e escorrer as lágrimas. Você se acostuma, mas não cura nada.
Sempre que ela espreita, que você sabe que ela chegou pra alguém, você perde. São os anos passando e você seguindo, nessa grande ignorância que é a vida, sem sequer entender por que.
Por que tirar pessoas amadas, gerar sofrimento, e presentear com esse sequestro relâmpago as pessoas de nós? Tenho meu lado espírita, mas vá lá, a carne aqui também sangra.
Vivemos porque não temos escolha. Seguimos o caminho do amanhã indignados mas serenos, sofrendo um pouco a cada manhã, e rezando um pouco mais a noite. Pedimos compreensão e paciência, e nos perguntamos dia sim e dia também, qual a razão disso tudo. 
E esse foi apenas o meu primeiro encontro com ela.



quarta-feira, 30 de julho de 2014

Palavras na madrugada

Ha muito tempo que eu não dormia às tantas da madrugada por causa de um livro. E ontem, tive a sorte de passar por isso. Um livro de crônicas delicioso, da minha mais nova descoberta: Martha Medeiros, "Montanha Russa".
Terminei em menos de vinte e quatro horas. São tantos assuntos divertidos, verdadeiros e sinceros, que você passeia por cada situação que ela conta, como se estivesse presenciado tudo aquilo ao seu lado. São tantas opiniões, tanta cultura, tanto humor, que a cada página que você vira, você se sente mais leve, com um sorriso no canto da boca.
Tem leitura melhor que essa? Aquela que te conquista, e que faz você brigar com o relógio, querendo que ele pare só um pouquinho, só mais uma página, só mais um capítulo... E quando você se dá conta, acabou.
Não sei você, mas eu sempre sofro um pouco quando chego na última página. Tá, nem sempre. Olha eu sendo extremista de novo. É sempre quando me envolvo, quando me apaixono, e quando crio um laço afetivo invisível com cada letrinha impressa que me olha. Sou dessas pessoas que tem ciúme de livros, sim. Fazer o quê! Muitas vezes as histórias valem mais do que pessoas.
Ultimamente, ando sedenta por leitura. Aprecio livros - praticamente todos! - desde pequena, graças ao meu avô. Vovô costumava me levar a livrarias enormes e perdíamos horas do dia ali, em meio a tanta imaginação, tantos personagens, e sempre saíamos com uma sacola recheada. Até hoje quando entro em uma dessas livrarias, lembro dele falando "Você pode economizar com tudo, menos com os livros. Eles merecem." E ele estava certíssimo. Hoje, com uma lua de mel parcelada no cartão de crédito e o condomínio pra vencer, continuo agradecendo pelo cheque especial - oba! posso levar mais um pra casa.
Leitura se aprende. Leitura ensina. E não tem sensação melhor do que encontrar uma história que te encanta, e para a qual você pode se doar. Como qualquer relação, a última página vai te fazer sofrer um pouquinho. Mas nada comparado ao prazer que dá, ter aquelas horas perdidas em um mundo novo, anestesiada e distante, conhecendo a partir do epílogo um novo abismo, que você nunca sabe pra onde vai te levar.

Cara a tapa

Não sei se existe melhor hora para escrever do que quando estamos completamente engasgadas com alguma coisa. Pode ser uma indignação, uma tristeza, uma raiva, um amor. Mas parece que nesse momento em que você está com o sapo na garganta, pensando se engole ou se cospe pra fora, tudo consegue soar mais sincero, radical e verdadeiro.
Um dos meus defeitos - digo defeito porque é um defeito 90% das vezes - é ser extremista. Tento controlar esse sentimento constantemente. Tento, mas raramente consigo. Pronto, fui extremista de novo.
Quando o sol brilha ele brilha e ofusca tudo a sua volta. Mas quando chove, bate aquela deprê, a beleza da poesia em conta gotas, escorrendo pelo vidro da janela.
Quer saber, é péssimo ser assim. É uma vida em constante looping (eba! adoro montanha russa!), mas quando chega a hora da queda, o frio na barriga também é imenso. Insegurança.
Sentir a vida à flor da pele tem seu valor, e as belezas - essas sim - devem ser valorizadas ao extremo.
Os problemas, as preocupações, e tudo mais de pesado que possa aparecer, devem ser contrapostos com toda essa poesia ofuscante do sol, e não ser encarada como uma enchente a cada gota que pingar na nossa testa.
E saber, a gente sempre sabe. Mesmo que não dê a cara a tapa, ou que não assuma verbalmente. A gente sabe quando exagera, quando tem um defeito, e mais - sabe exatamente onde temos que mudar.
Calma aí, não me entenda mal! Ninguém disse pra gente que seria fácil. E nunca é. Mas, ainda tenho pra mim que ter consciência das coisas, já é meio caminho andado. Porque querer mudar uma coisa que nem sequer sabemos de onde vem, aí, sim, é uma tempestade sem fim.
Um fator que ajuda é a humildade. Precisamos saber enfrentar o problema, e muitas vezes, assumir! Caio uma vez disse: "supere isso, e se não conseguir superar, supere o vício de falar a respeito"!
Tá aí, mais meio caminho andado.
Precisamos assumir que não somos perfeitos (seja lá o que for essa perfeição), e que de longe, a realidade não é a mesma pra todos. E de novo, precisamos superar isso sozinhos, agindo, e parar de encher os ouvidos (as vezes nossos próprios) reclamando sobre isso. Porque ninguém merece autopiedade.