segunda-feira, 25 de junho de 2012

(in)cansável

Ouvi dizer dia desses que escritores são um problema para si mesmos. Uma encrenca desmedida que busca sempre esclarecer as coisas, ou torná-las ainda mais misteriosas. Eu, talvez, possa dissimular palavras da forma com que gostaria de fazer comigo mesma. Transparecer.
Uma delicadeza forte em uma cadeia de sentimentos. Você não sente preguiça de se exigir o tempo todo? Não quero saber, não quero sentir, não quero morrer.
Como uma sopa fria, que você enjoa e empurra o prato - não quero mais.
Sentimentalismo exacerbado. A vítima de si própria culpando a mente irremediável.
São os fantasmas!
Eles assombram sem que você os veja. Sombras escuras te perseguem, e afogam.
Em um mar profundamente infinito, existe uma escuridão solitária tenebrosa. É preciso remar e nadar contra. Contra o que?
Quem, deve ser a pergunta.
Contra v-o-c-ê.

sábado, 9 de junho de 2012

Sobre o tempo - aquele que você disse que não existe


Era compreensível que chovesse por uma semana. O meu edredon não se esticou nem por um dia, e o meu rosto estava tão molhado quanto a janela. Os dias, antes longos e eternos, evaporaram sem que eu tivesse o tempo - aquele que você disse que não existe - de sequer recuperar o ar.
Nem dos sonhos mais eu me lembrava. Meu sono interrompido pela sua ausência me fazia não querer me desligar. No único dia que me esqueci de dormir foi culpa do remédio que esqueceu de me acordar. Semana de sete dias que passou em quarenta e cinco minutos, assim, por extenso, e me trouxe a bagagem de uma vida inteira - vivida em sete dias. Ou foram meses?
A minha liberdade me trouxe tanto. Tanto que ainda falta.
Falta o tempo - aquele que você disse que não existe.
Eu tentei te convencer do contrário. Disse que ele era rei! Foi ele que me trouxe você.
Você me olhou. E foi aí,
que parou de chover.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Você,


-Você tem um cigarro?
-Estou tentando parar de fumar.
-Eu também. Mas queria uma coisa nas mãos agora.
-Você tem uma coisa nas mãos agora.
-Eu?
-Eu.

CF.

domingo, 3 de junho de 2012

Re-tros-pec-to


Despertei. Quando abri os olhos, olhei em volta sem reconhecer nada. As mesas brancas que se encaixavam perfeitamente nas quinas da parede eram cobertas de flores coloridas e livros empoeirados. A cama tinha um cobertor amarrotado e no banco ao lado um café quente.
Me sentei. Precisei de alguns segundos de realidade para me desligar do sonho. Aquele, que tive com você. Não bastasse as diárias perdidas com o pensamento agarrado em você, as poucas de sono que me restavam você invadia. Não era justo.
O sol, tímido em um dia nublado, tentava atravessar as persianas azuis e acertar em cheio meus olhos, transbordando de lágrimas.
Uma delas caiu no lençol laranja, e fez uma mancha tão grande. Aquela maquiagem pesada da noite anterior tava toda ali, ainda. Aos poucos a consciência voltou.
Tinham sido três gostos naquela semana. Não queriam mesmo ir embora, e se fizeram presente em todos os dias dela: vodka, café e lágrimas.
Me atingiam em diferentes momentos. Mas você, estava sempre ali.
Quando me levantei da cama, cambaleei. A mesma vontade que gritava de dentro de correr e ir atrás de você, se contradizia com a inércia do corpo, que só queria dormir e ficar ali, jogado nos pensamentos seus.
Enquanto não resolvia, senti o braço arder. Lembrei. Aqueles cortes tinham ficado sem curativo, e eu estava tão exposta quanto eles.
Minha mãe interrompe a confusão, abrindo a porta. Ela me viu chegar em casa, acabada daquele jeito, então não precisava ter receios ou esconder nada. Simplesmente fiquei em pé, parada.
Ela me abraçou e disse:
-Sabe, filha. O coração é o único que dá a vida e a morte. Ele tem vida própria. Com ele, a gente não deve nunca discutir.
Me deu um beijo na testa e saiu, acendendo um cigarro.
E eu fiquei, ali. Com o gosto de ontem, querendo sentir o de amanhã.


sexta-feira, 1 de junho de 2012

Um café e a conta


Entre o agasalho felpudo e a pasta pendurada no ombro esquerdo, recheada de papeladas e livros, ele desceu a escada de madeira que rangia a cada passo sentido e que exalava um perfume conhecido: alecrim. Distraído, abriu a porta de casa e encarou o frio que fazia, era abril, não era um frio comum pra época. Mas tudo que vinha acontecendo, também não. Então talvez fizesse algum sentido. Mesmo sem fazer.
Sentou em um café de esquina, na mesa de fora para poder acender seu Marlboro. Pediu um capuccino grande, puxou o isqueiro e se recostou. Ele adorava fazer isso: exílio. Tinha tempo pra pensar, remendar e desfazer os nós de sua hiperatividade sentimental.
Mas ele não sabia que era vã aquela tentativa, de achar sentido onde não tem. Não se pode explicar o inexplicável - ele pensou. O que define o inexplicável? Seria a falta de capacidade? Falta de coração? Não. Isso nunca lhe faltou.
O garçom interrompeu seu fio pensante e apoiou a xícara sobre a mesa, observando o menino que mais parecia perdido em um fuso horário interplanetário. Deu as costas, curioso. Era um homem mais velho, provavelmente viúvo, havia servido na guerra e tinha lá seus traumas pessoais. Mas apesar de tudo, ele também tinha coração.
O menino bebericou o café esfumaçado, queimou a língua e tragou o cigarro. Era o terceiro que acendia - hábito adquirido recentemente graças a sua ansiedade incontrolável. Continuava com o olhar vago, entre tantas pessoas e passagens, ele permanecia inerte.
O garçom, intrigado, voltou a mesa e pergunto:
- Deseja mais alguma coisa?
O menino demorou a responder. Aquela pergunta tinha tantas respostas no seu inconsciente, que precisou de alguns segundos para se dar conta que era apenas um garçom, e que ele não poderia conceder metade da lista que viera a sua cabeça.
- Não, obrigado.
Ele disse seco.
O garom continuou ali, parado. Ele tinha cabelos grisalhos, e tinha aparência de ser um avô muito agradável - pensou o menino.
- Olha, eu sei que isso não é da minha conta - começou o garçom - mas você é tão jovem. E com esse olhar, só pode ser coisa do coração.
O menino suspirou. O vovô estava certo. Era.
- Não sei se de coração. Mas são coisas da vida. Coisas passageiras, eu espero. - retrucou o menino.
O garçom riu, um sorriso melancólico, de quem entendia exatamente o que aquele menino perdido queria dizer. Ele retirou a xícara, passou um pano úmido na mesa e se retirou. Ele sabia, que não importavam as palvaras ditas, ou o esforço feito para convencer o menino de qualquer certeza. Afinal, elas não existiam.As certezas.
Meras invenções! - pensou ele.
O garçom trouxe a conta. O menino levantou, pegou a pasta e disse:
- O que você acha?
- Que você já achou.