sexta-feira, 1 de junho de 2012

Um café e a conta


Entre o agasalho felpudo e a pasta pendurada no ombro esquerdo, recheada de papeladas e livros, ele desceu a escada de madeira que rangia a cada passo sentido e que exalava um perfume conhecido: alecrim. Distraído, abriu a porta de casa e encarou o frio que fazia, era abril, não era um frio comum pra época. Mas tudo que vinha acontecendo, também não. Então talvez fizesse algum sentido. Mesmo sem fazer.
Sentou em um café de esquina, na mesa de fora para poder acender seu Marlboro. Pediu um capuccino grande, puxou o isqueiro e se recostou. Ele adorava fazer isso: exílio. Tinha tempo pra pensar, remendar e desfazer os nós de sua hiperatividade sentimental.
Mas ele não sabia que era vã aquela tentativa, de achar sentido onde não tem. Não se pode explicar o inexplicável - ele pensou. O que define o inexplicável? Seria a falta de capacidade? Falta de coração? Não. Isso nunca lhe faltou.
O garçom interrompeu seu fio pensante e apoiou a xícara sobre a mesa, observando o menino que mais parecia perdido em um fuso horário interplanetário. Deu as costas, curioso. Era um homem mais velho, provavelmente viúvo, havia servido na guerra e tinha lá seus traumas pessoais. Mas apesar de tudo, ele também tinha coração.
O menino bebericou o café esfumaçado, queimou a língua e tragou o cigarro. Era o terceiro que acendia - hábito adquirido recentemente graças a sua ansiedade incontrolável. Continuava com o olhar vago, entre tantas pessoas e passagens, ele permanecia inerte.
O garçom, intrigado, voltou a mesa e pergunto:
- Deseja mais alguma coisa?
O menino demorou a responder. Aquela pergunta tinha tantas respostas no seu inconsciente, que precisou de alguns segundos para se dar conta que era apenas um garçom, e que ele não poderia conceder metade da lista que viera a sua cabeça.
- Não, obrigado.
Ele disse seco.
O garom continuou ali, parado. Ele tinha cabelos grisalhos, e tinha aparência de ser um avô muito agradável - pensou o menino.
- Olha, eu sei que isso não é da minha conta - começou o garçom - mas você é tão jovem. E com esse olhar, só pode ser coisa do coração.
O menino suspirou. O vovô estava certo. Era.
- Não sei se de coração. Mas são coisas da vida. Coisas passageiras, eu espero. - retrucou o menino.
O garçom riu, um sorriso melancólico, de quem entendia exatamente o que aquele menino perdido queria dizer. Ele retirou a xícara, passou um pano úmido na mesa e se retirou. Ele sabia, que não importavam as palvaras ditas, ou o esforço feito para convencer o menino de qualquer certeza. Afinal, elas não existiam.As certezas.
Meras invenções! - pensou ele.
O garçom trouxe a conta. O menino levantou, pegou a pasta e disse:
- O que você acha?
- Que você já achou.


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