terça-feira, 28 de maio de 2013

Calada da Noite

Faço-me promessas bobas todos os dias.
Ontem, ao chegar em casa, cumprimentei o porteiro Zé como de costume. Ele já estava acostumado às madrugadas, assim como eu, e nossos encontros eram tão frequentes que quando via sua ausência, as madrugadas não pareciam completas.
- Boa noite, Zé.
E como em todas aquelas madrugadas perdidas, ele me retribuía com um sorriso meio sonado;
- Bom dia é melhor!
Era engraçado ver em seu rosto gasto e em seus poucos cabelos brancos - os que ainda restavam por ali - uma alegria razoável para uma manhã que ainda não começara, e uma noite que se seguia sem sono, sem descanso. Talvez eu devesse ter aquela alegria estampada, talvez devesse dar mais bom dias, ou talvez devesse apenas subir e me jogar na cama. Mas por acaso, naquela noite, ele resolveu falar um pouco mais do que de costume;
- Sabe, ás vezes as pessoas não entendem porque eu prefiro os turnos da noite.
O elevador estava descendo, em toda sua lentidão, do décimo primeiro andar - onde encontrava-se parado maior parte das vezes que eu precisava dele. Já eram três e quarenta e sete da manhã, e ainda sim eu não me encontrava na companhia do sono. Não custava trocar algumas palavras com alguém, que aparentemente, apreciava-as tanto quanto eu - sem falar das madrugadas.
- As pessoas ficam sempre intrigadas com o que foge do comum.
- É, é verdade. Mas sabe, quando me perguntam eu faço questão de responder; vocês deveriam apreciar mais o silêncio.
- Então é por isso que prefere o turno?
- Da noite? Mas é claro. Já temos tanta agitação correndo solta nas ruas pelo dia inteiro. Precisamos saber o valor que o escuro e o silêncio têm. Precisamos entender o que ele nos diz. E antes de todo aquele barulho, precisamos escutar o que a gente se diz quando estamos sós.
Taí. Confesso a surpresa. Há menos de um minuto eu pensava na alegria daquele rosto antigo, que dava bom dia como se quisesse simplesmente sair por aí, vivendo. E agora ele me diz que na verdade, não era aquilo que havia entendido. Fiquei meio sem resposta. O elevador chegou, ele abriu outro sorriso e eu subi. Subi então, ao encontro do que era mais apreciado pelo Zé. O escuro do quarto e o silêncio me esperavam, quase que de braços abertos.
Naquela madrugada me prometi, de novo, que talvez eu devesse dormir mais cedo do que ontem. Prometi que eu tentaria me ouvir ao invés de simplesmente agradar. E que principalmente, tentaria aceitar as minhas condições naturais - fossem elas relacionadas ao meu ascendente que se tornava cada dia mais forte, e por conseguinte, cada vez mais parecida com meu falecido avô - ou relacionadas à minha estranha pisiqué. Que eu devesse parar de me culpar pela ausência ou falta total de compreensão dos outros - e quando digo outros aqui quero explicitar qualquer outro que não eu mesma - e que dessa forma, talvez, eu conseguisse deixar de lado minha enorme exigência virginiana. Aceitar que dias tortos assim trazem sempre consigo um escuro e um silêncio. E que preciso - prometo - entendê-los e ouvi-los. 



Nenhum comentário:

Postar um comentário